CORPO LÚTEO
- Ana Telhado
- 10 de out. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 23 de out. de 2024
A série de fotografias - Corpo Lúteo - foi inspirada no livro Mulheres no Divã, Uma Análise da Patologia Feminina - da psicanalista Cláudia Bernhard P.
Durante alguns anos dediquei-me ao estudo deste livro. Não é um livro que se leia do início ao fim, de uma só vez. Foram necessárias várias leituras, reflexões e até o exercício da metanóia, sobre aquele texto que, para nós mulheres, é como o remédio que é "amargo, mas cura".

Foi então que as imagens surgiram na minha mente: mulheres confusas, mulheres embrenhadas nas suas vontades invertidas 1, presas a elas - onde quer que vão ou mudem de rumo, na vida, levam os "embrenhados" com elas. A corda que utilizo em cada imagem simboliza isso mesmo, refletindo os problemas que se forem vistos de forma superficial, tornam-se “embrenhados” podendo mesmo multiplicar-se. São problemas inconscientizados 2, que por estarem inconscientizados 2, tornam-se em bloqueios na vida, pesos que se carregam, que nos aprisionam, hipotecam a liberdade e pioram com o tempo, caso não sejam tratados.
Como figurinos, escolhi a farda de uma empresa multinacional. Nestas fotografias, não quis visar especificamente essa empresa. O meu interesse é que a farda objetive as multinacionais em geral, porque existe um fenómeno intrigante no ser humano: é o da admiração pelo establishment, pelo poder 4 e com isso, a pessoa "veste a camisola" da grande empresa onde trabalha e passa a acreditar que é tão grande quanto ela, quanto a própria empresa, numa atitude megalómana 3. Nessa megalomania 3, a pessoa acha-se poderosa também, enganando-se, delirando, tornando-se assim mais frágil e disponível para se deixar explorar pela própria empresa. Para alimentar o seu delírio de grandeza, de megalomania 3, o indivíduo mantém-se submisso à exploração. Exploração própria e muito vantajosa para as multinacionais. Mas que, daquela forma, é alimentada pelo povo.
O fenómeno do fascínio pelo establishment, é cada vez mais comum, na nossa sociedade. Nesse sentido, e na ambição feminina, crescente e quase cega - ambição pelo poder 4, prestígio e dinheiro - encontramos cada vez mais mulheres, nessa situação, quase como cópia da patologia masculina pela euforia do poder 4. Pois é, a mulher hoje, copia o homem, na maior parte das vezes, mais a patologia, do que as virtudes. Por esse motivo quis tratar o assunto nesta série de fotografias, pretendendo trata-lo de forma suave, sem julgamentos, com a imagem.

Nas fotografias da mulher despida, sobre a água, a água (passe a redundância) permanece aqui, da mesma forma que em todo o meu trabalho anterior, como a essência do feminino. A mulher despida, é a mulher sem casca, sem carapaça, sem máscara social, é a mulher revelada com o Ser descoberto. É o Ser feminino, na sua essência - Bom, Belo e Verdadeiro. Algumas qualidades intrínsecas ao feminino, enunciadas por Cláudia Bernhard, em Mulheres no Divã, Uma Análise da Patologia Feminina, pág 158:
"(...) amor, a dedicação, a tenacidade, a intuição, a paciência, a sensibilidade", a intuição, a mulher é geratriz tanto no corpo como na alma, entre tantas outras faculdades.

Na série, as fotografias das três mulheres, na clareira da floresta, aparecem como que numa espécie de kátharsis (revelação), pelo invisível, que é a consciência 5, vão despindo a farda, a casca, vão despindo a máscara social, vão-se despindo da patologia, para desvelar o encoberto, a sua própria essência, a virtude, o Ser.
O título Corpo Lúteo, é também ele uma peça importante desta série, tanto quanto uma fotografia. O título remete, tal como a fase lútea da mulher - uma fase de maturação do ciclo feminino - remete para uma estrutura que participa ativamente no processo de "reprodução", geração, neste caso da alma (não do corpo).
Em O Banquete, texto de Platão, Diotima instrui a Sócrates o seguinte: "(...) Uns, portanto, que são fecundos segundo o corpo, voltam-se de preferência para as mulheres e esta é a sua maneira de amar, convictos como estão de que, através dos filhos que criam, asseguram a sua imortalidade, a lembrança do seu nome e uma bem-aventurança que perdure para todo o sempre. Outros, que são fecundos segundo a alma... Pois não tenhas dúvidas, há homens cuja alma possui uma fecundidade ainda superior à do corpo em criar e produzir o que a ela compete (e o que lhe compete, afinal, gerar, senão a sabedoria e as demais formas de virtude?). - E entre esses tais se contam não apenas todos os poetas criadores de obras, como ainda, no domínio da técnica, todos os artífices reconhecidamente dotados de espírito inventivo. (...) Ora, quando um ser, cuja alma participa do divino, traz desde infância os germes de tais virtudes e, ao chegar a idade própria, o assalta o impulso de gerar, é então, salvo erro, que se põe em campo, lançando-se em procura do Belo, onde lhe será possível gerar: porque na fealdade, é sabido, jamais o fará!"6
Tomemos "homens" descritos no texto, como a humanidade - homens e mulheres. Por exemplo: "(...) há homens (e mulheres) cuja alma possui uma fecundidade ainda superior à do corpo em criar (...) gerar."
O Corpo Lúteo a que me refiro no título, é o Corpo Lúteo da alma - uma estrutura que participa ativamente no processo de geração da alma.
Processo esse, apenas possível pelo contacto com a consciência 5, através da interiorização 7.
A faculdade de geração, produção de obras, é comum aos homens e às mulheres. No entanto, é sobre a nossa, a das mulheres, que quis tratar, pela nossa própria atitude negligente face a essa faculdade, uma atitude inconscientizada, que temos vindo a ter ao longo das décadas e na atualidade. Pela urgência e importância que a ação, as obras da mulher, deverá ter nos tempos que correm e próximos.
Oportunamente, escreverei mais sobre esse Corpo Lúteo da alma, que poderá muito bem ser aquilo que se chama de energia do núcleo (escalar) na Nova Física da Metafísica Keppeana.
Lisboa, 10/10/2024
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1 Inversão - Processo através do qual a pessoa vê o bem naquilo que é ruim e o mal no que é bom; isto é , acredita que a fantasia leva à realização, e que a realidade causa sofrimento. In N. R. KEPPE, A Libertação dos Povos - A Patologia do Poder, Proton Editora, 1987, pág. 281
2 Inconscientização - Neologismo de Norberto R. Keppe - atitude de esconder, reprimir ou negar a consciência que temos. In N. R. KEPPE, A Libertação dos Povos - A Patologia do Poder, Proton Editora, 1987, pág. 281
3 Megalomania - Delírios de grandeza; uma forma de arrogância em que a pessoa vê a si mesma maior do que é realmente, devido ao desejo de ser superior. In N. R. KEPPE, A Libertação dos Povos - A Patologia do Poder, Proton Editora, 1987, pág. 282
4 Poder patológico - Desejo de ser maior do que os outros, de explorar os outros; um "anti-poder"; o desejo de impedir o verdadeiro poder de existir entre o povo. Motivados pela inveja, alguns indivíduos desejam dominar, controlar aos outros na sociedade como uma forma de saciar a sua teomania (o desejo mal-intencionado de ser como Deus). A intenção de tais indivíduos é tirar a felicidade, a liberdade, o dinheiro e o bem-estar dos outros; não servir aos outros, mas ser servido por eles. O poder patológico é uma forma arrogante utilizada para impedir a vida e a liberdade; traz somente destruição e doença aos poderoso e à sociedade. In N. R. KEPPE, A Libertação dos Povos - A Patologia do Poder, Proton Editora, 1987, pág. 282
5 Consciência - Total perceção da realidade (interna e externa). De acordo com a Trilogia Analítica, a consciência resulta da unificação do amor, da inteligência e da ação, e inclui a perceção do certo e do errado, de atitudes psicopatológicas, e da verdadeira realidade (bondade, beleza e verdade). In N. R. KEPPE, A Libertação dos Povos - A Patologia do Poder, Proton Editora, 1987, pág. 280
6 PLATÃO, O Banquete, Lisboa, Relógio d`Água, 2018, pág. 120.
7 Interiorização - Diferente de internalização, consiste em usar a realidade externa como um espelho, para entender mais claramente o que existe no interior do indivíduo (sentimentos, pensamentos, consciência, intuição, emoção, etc.). É a técnica principal usada na análise individual trilógica. In N. R. KEPPE, A Libertação dos Povos - A Patologia do Poder, Proton Editora, 1987, pág. 281
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Trabalho completo aqui: https://www.anatelhado.art/corpoluteo
Texto de João Silvério aqui: https://www.anatelhado.art/da-transicao-e-da-autonomia
Curadoria: João Silvério
Produção: FIAR Cultura
Interpretação: Ana Santos, Catarina Câmara e Sandra Rosado
Edição: Alexandre Nobre




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